Say hello: https://www.facebook.com/portuguesewitheli
Iracema, Portuguese Book (Public Domain, pdf): http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/iracema.pdf
Iracema, English Edition: https://amzn.to/39mYMsr
Raimundo Fagner, no Ceará é Assim: https://www.youtube.com/watch?v=AfFL-eIIvJA
Praia de Iracema: https://www.youtube.com/watch?v=rphx3hb8Cr0
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Se você fechar os olhos e tentar pensar na imagem típica de um brasileiro, talvez alguns estereótipos lhe ocorram: um homem dançando samba, um jogador de futebol, uma cantora... a imagem física, porém, nunca é consistente. Afinal, o Brasil é um país de imigrantes e nativos indígenas. E é deste último grupo, dos indígenas, que nós vamos falar hoje.
Se você tiver visitado a cidade de Fortaleza conhece com certeza a Praia de Iracema. É lá onde você pode ver a Ponte Metálica, as Pedras, o Espigão, esses são todos os pontos turísticos que você precisa conhecer.
E na própria Praia de Iracema fica a estátua de Iracema, a virgem dos lábios de mel.
O que poucos estrangeiros sabem, mas todos os brasileiros sabem, é que aquela estátua e o nome de Iracema da praia vêm todos de uma mesma fonte: O livro Iracema, escrito por José de Alencar.
A gente vai dar uma olhadinha agora no enredo do romance.
Ele narra a história de Iracema, uma índia, e Martim, um colonizador português. Eles se encontram e têm um caso de amor. Mas claro, nem tudo é assim tão simples.
Iracema pertence à nação Tabajara. Ela é filha do pajé da tribo e ficou de se casar com o chefe guerreiro, Irapuã.
Aparentemente, naquele tempo, e ainda hoje em algumas partes do mundo, as mulheres são prometidas como esposa desde a infância ou adolescência. Acredito que este já não seja um hábito costumeiro, mas cem anos atrás era muito comum e cem anos não são tantos anos assim se você parar para pensar a respeito.
Enfim, Iracema não é apenas importante por ser filha do chefe da tribo. Ela também detém um segredo mágico: ela tem o segredo da Jurema. Iracema produz uma bebida alucinógena que os guerreiros da tribo tomam em situações específicas. E pela natureza mágica dessa bebida, ela só pode ser preparada por uma virgem. E é por isso que Iracema se mete em encrenca mais à frente.
Porque agora o nosso interesse é Martim, o colonizador português. Ele vive na tribo Pitiguara, índios aliados dele, e trabalha na fiscalização e vigilância da Costa do Ceará. Naquele tempo, ali entre 1600, 1700, havia muitos invasores estrangeiros acho que queriam tomar o novo território descoberto por Portugal. Então a tarefa de Martim era defender a mais nova e lucrativa colônia de Portugal.
Numa dessas rondas que Martim precisava fazer pela floresta ele acabou se perdendo. Não sei se você já se perdeu na mata, eu pelo menos nunca me perdi, mas deve ser uma sensação aterrorizante quando não se tem GPS nem celular para ajudar.
Martim tenta encontrar o caminho de volta, mas acaba se deparando com uma mulher que aparentemente estava caçando. A mulher se assusta com ele e, como em geral os homens brancos representavam (e ainda representam) perigo para os índios a mulher dispara uma flecha em Martim, que acaba atingido. Ele não revida, afinal era uma mulher, e a mulher, que você já deve saber que é Iracema, leva o português ferido para a sua tribo, dos Tabajaras. Os índios tinham naquela época uma coisa chamada a lei da hospitalidade, que obrigava os a receber alguém ferido para lhe oferecer proteção.
O pajé Araquém cuida de Martim, que se recupera tranquilamente. Porém, Martim sente uma forte atração por Iracema que também parece retribuir o sentimento. No fim das contas, Iracema e Martim acabam tendo relações e aí é que a coisa descamba.
Porque, se você lembrar, eu falei antes que a bebida alucinógena e mágica da tribo só podia ser preparada por uma virgem. E agora Iracema já não era mais virgem. Quando descobrem isso, os guerreiros tabajaras resolvem acabar com a raça do guerreiro branco, ou seja, Martim. Iracema ajuda Martim a fugir e os dois conseguem abrigo entre os guerreiros Pitiguaras.
Há uma batalha intensa entre as duas tribos. E agora Iracema está entre a cruz e a caldeirinha: não pode ficar, porque os Pitiguaras são inimigos dos Tabajaras e ela é tabajara. E não pode voltar porque traiu a confiança da tribo, já não é mais virgem e não serve para o propósito original.
Aqui podemos argumentar um pouco sobre o machismo da história, mas é melhor a gente ter em mente o que esse romance foi publicado em 1865. Se com as demonstrações modernas de selvageria das pessoas a gente fica horrorizado, e olha que a gente pensa que já é evoluído, imagina naquele tempo.
E para piorar as coisas para o lado de Iracema, ela engravida de Martim. Martim e Iracema agora moram numa cabana na praia. Martim antes pensava em voltar para Portugal, mas agora com esposa e filho ele tem uma amarra ainda mais forte para prendê-lo nas novas terras. Ele passa o tempo todo pensando na Europa, morrendo de saudades, enquanto faz suas rondas na praia para fiscalizar. Iracema, por sua vez, se dá conta de que seu filho e ela são as razões para a profunda tristeza de Martim. Ela matuta sobre o assunto e chega à conclusão de que morrer é a única forma de libertar Martim de sua prisão. Ela mesma fica triste, deprimida e definha de tristeza. Se você ler o livro, e eu realmente sugiro que você leia seja em inglês ou em português, mas se você ler o livro, como eu ia dizendo, você vai ver nessa parte uma das cenas mais comoventes da literatura brasileira. É um verdadeiro martírio para Iracema. Ela tem um filho, que é batizado de Moacir, que significa filho da dor na língua de Iracema, e morre.
Moacir, filho do colonizador português e da índia da terra nova, é o representante de uma nova raça, o “verdadeiro brasileiro”, mas isso não sou eu quem diz, é o próprio autor. É que no contexto histórico, o livro Iracema faz parte de um grupo de livros que tentam definir a verdadeira identidade brasileira, algo que até hoje a gente não conseguiu fazer muito bem e eu mesmo acredito que nunca vamos conseguir. Mas isso é assunto para outra conversa.
Eu deixei alguns detalhes de fora dessa narrativa, porque acredito que você ganha mais lendo a fonte original.
Você pode ler o livro em português, algo que eu só sugiro se você puder ler coisas muitíssimo avançadas, porque o autor utiliza muitas palavras de origem Tupi que nem mesmo os brasileiros hoje em dia conseguem reconhecer com tanta facilidade. Tem boas traduções em outros idiomas, inclusive em russo, para minha surpresa, mas na Rússia em geral as pessoas gostam muito da literatura brasileira, e eu fico muito feliz por isso.
E além de ver a Praia de Iracema no Ceará, a estátua de Iracema, Lagoa de Iracema, Iracema também é um nome feminino muito comum aqui no Brasil. Eu mesmo tinha uma vizinha que se chamava Iracema.
Iracema é um símbolo do Ceará. Ela é tão popular que entrou até para o teatro, um filme produzido em 1979, e também está – não ela sozinha, mas muitos outros símbolos cearenses – na música de um cantor de quem eu pessoalmente não gosto muito, mas tenho de admitir que é um excelente compositor, Raimundo Fagner.