Palavra

Nov 07, 2024

Do que servem as palavras se não se conseguir o som delas? Palavras sem som, o que seria isso?

Demorava-se quando nas leituras era assaltada por frases, expressões que lhe ficavam a mexer. A aceleração, a rapidez sempre foram métricas na resposta à vida como se estivesse sempre pronta para a batalha, a bombeira de serviço para o fogo seguinte. E quanto perdia de contacto consigo. De que as palavras pudessem tocar-lhe em lugares mais profundos e que a vibração de cada uma pudesse continuar a entoar como a música que faz o corpo dançar. Tempo.

Se antes o tempo parecia fugir-lhe, sempre se apressava, e mesmo assim atrasava-se. Já não precisa correr, pode demorar-se. É nesse contacto da demora que pode envolver-se com as palavras, escutar-lhe o som, o ritmo, o espaço, o pulsar e construir intimidade.

Estava a tornar-se íntima de si. Abrir as portas e janelas dos recantos de si. Arejar o espaço, soprar a poeira. Reconhecer sem pudor e vergonhas as partes doídas e sofridas. Mimar-se e acompanhar-se nessa jornada de descoberta. Sempre seria uma descoberta por mais que conhecesse e validasse a sua biografia, sempre haveriam novos ângulos por olhar, assimilar, integrar e amar.

Sentir-se mais, acompanhar-se mais, dar-se colo. Reclamar o seu próprio colo, eu quero e dou-me, faço-me presente. Atendo-me. E mais do que dizer as palavras, deixá-las dançar dentro, que possam penetrar nos lugares que mais precisam. Que sejam cobertor e agasalho nos lugares frios e levem calor e amor.

Poderia ser poesia feita em palavras, eu prefiro chamar alimento que me dou, relação que estabeleço, pontes que estreito. Luz que faço em salas escuras que levo dentro.

E assim me passeio todos os dias pela primeira vez dentro de mim. Curiosa por novas paisagens. Abrindo mão dos mapas, dos planos e seguindo o corpo, as palavras, as imagens que vão guiando o passo e tocando sensações dentro.

Sigo obediente ao caminho, e se sempre senti que era solitário, hoje acompanho-me, por isso jamais me sentirei só.

Se eu dia me senti abandonada, rejeitada, desamparada foi para que me pudesse ligar mais profundamente à essência que levo dentro. Ao pai e mãe divinos, que a via é a do espírito e pudesse libertar as cargas da forma e da matéria. Para que ficasse com o útil e não me distraísse com as narrativas da mente. É o caminho. Há quem lhe chame fé. Eu chamo-lhe ligação ao todo que Sou.

É o princípio e o fim, e para que possa encontrar preciso perder. As ilusões, construções. Deixar-me cair. Para que a alma caia no corpo, para que rendida possa ser guiada pelo coração. Para que possa desistir de lutar, de querer controlar e desejar e entregue possa permitir que a vida me viva.

Há momentos, há. De esquecimento, de identificação com as formas. De desespero, de querer jogar a toalha ao chão, assim não brinco mais, estou farta do jogo. E também isso são testes à resiliência, à vontade do espírito em se esculpir mais um pouco para passar mais um dobra, mais um cabo das tormentas.

Sou uma luz que se acende numa noite sombria. Sou uma esquina dobrada, uma vida que rompeu o ventre materno, sou coração que late num novo dia que nasceu. E sem nada precisar fazer, a simples presença alumia o caminho de quem por mim passa. Não porque queira, nem por ser essa uma missão, mas porque o meu coração pulsa e eu escuto-o. Faço-me presente, com tudo o que me assiste, nas ondulações agitadas e calmas. Essa é a perfeição de toda a imperfeição que me assiste. Em mim levo a alegria, a tristeza, a lágrima e a gargalhada, a dor e o amor, a doçura e a amargura. Nada me define e tudo me atravessa.

E se antes me incomodava incomodar vou aprendendo a incluir-me, a fazer-me presente em cada lugar com tudo o que me passeia. É que se vim foi para ocupar espaço, sem que o tenha de reclamar. É um direito que me Aclamo.

E sempre que chego a qualquer lugar faço questão de me anunciar baixinho, bem vinda!

É que a palavra é o aconchego, o som que vai desenrolando esta intimidade que vou construindo diariamente comigo.

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