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Quem é o NED?

Quem é o NED?

May 27, 2024

Introdução

Quem é esta organização que se diz “Não Governamental”, sem fins lucrativos e que “suporta a liberdade pelo mundo”?

Bom, em primeiro lugar temos de referir que o financiamento é em grande medida do governo dos EUA, por isso já deixa esta organização numa situação complicada e em segundo devemos ser diretos quanto ao facto de ser um braço armado da CIA. Acho que a partir deste momento, toda a gente imagina para onde o artigo se direciona, bem se ainda não perceberam, obviamente esta organização tem como objetivo principal intervir nos sistemas políticos de outros países.

Outras organizações e “Modus Operandi”

Mas intervir em outros países tem sido o passatempo favorito de Washington desde que William McKinley prometeu "cristianizar" as Filipinas em 1899, apesar do fato de que a maioria dos filipinos já eram católicos. Hoje, uma sopa de letras de agências dos EUA envolve-se em interferência política praticamente a tempo inteiro, desde a USAID até a VOA, RFE/RL ao DHS – traduzindo, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, a Voz da América, a Radio Free Europe/Radio Liberty e o Departamento de Segurança Interna.

Depois, há o National Endowment for Democracy, uma organização financiada pelo governo dos EUA no valor de centenas de milhões de dólares por ano e que é sinónimo de interferência americana, ou seja, aquela interferência que os EUA estão sempre a acusar outros países como fizeram com a Federação Russa no caso Russiagate. Proibido por lei de interferir na política interna, a organização dedica energia infinita às deficiências democráticas de outros países, de forma especial e específica quando esses países ameaçam os interesses americanos. Em 1984, no ano seguinte à sua fundação, canalizou fundos secretos para um candidato presidencial apoiado pelos militares no Panamá, deu 575.000 dólares a um grupo estudantil francês de direita e entregou quase meio milhão de dólares a opositores de direita do presidente costarriquenho Oscar Arias – porque Arias se recusou a  seguir a política anticomunista na América Central que os EUA queriam ver implementada.

Um ano depois, doou US$ 400.000 à oposição anti sandinista na Nicarágua e depois outros US$ 2 milhões em 1988. Usou o seu músculo financeiro em meados da década de 1990 para persuadir um partido de direita a elaborar um "Contrato com a Eslováquia" inspirado no Contrato de Newt Gingrich com a América; persuadiu os comerciantes livres a fazer o mesmo na Mongólia, deu quase US$ 1 milhão à direita venezuelana que montaram um golpe de Estado de curta duração contra o Hugo Chávez em 2002 e, em seguida, financiou o candidato presidencial anti russo Viktor Yushchenko na Ucrânia em 2005, e obviamente também teve envolvimento no posterior golpe anti russo em 2014 chamado Euromaidan. Nem será necessário dizer que países altamente contrários à política dos EUA como Federação Russa e China expulsaram o NED dos seus países e/ou aplicaram regras rígidas às suas atividades.

Afinal o que é a “Democracia”?

O que todas estas ações e muitas outras tiveram a ver com a democracia é um mistério para o Geopolítica em Português, embora o papel do NED na promoção dos interesses imperiais dos EUA destruindo sistemas políticos estrangeiros seja inquestionável. Em vez de "o meu país está certo ou errado", o pressuposto operacional do NED é "o meu país está certo, ponto final". Se Washington disser que determinado Líder está fora do trajeto pretendido ao qual o NED chama “democracia”, então este será acionado de imediato e financiará os seus oponentes políticos. Se disser que ele é cooperativo e bem-comportado, o que significa que apoia o livre mercado e a desregulamentação financeira e não se alia a nenhum dos rivais militares dos Estados Unidos, fará o contrário. Não importa se, tal como Putin, vencer as últimas eleições com 63,6% dos votos e for declarado o vencedor "claro" pela União Europeia e pelo Departamento de Estado norte-americano. Se ele está "expandindo a influência [da Rússia] no Oriente Médio", como dizia o presidente do NED, Carl Gershman que acabou o mandato em 2021, então ele é um "homem forte" e um "autocrata" e deve sair.

Contradições do NED

As próprias deficiências dos Estados Unidos, entretanto, passam despercebidas. Enquanto isso, o NED, à medida que se aproxima da marca de três décadas de existência, é um poço de contradições: um grupo que se diz privado mesmo sendo quase inteiramente financiado por fundos públicos, um grupo que diz que a democracia "deve ser indígena" mesmo apoiando as mudanças de regime impostas pelos EUA, um grupo que se diz "bipartidário", mas cujo conselho  está repleto de falcões ideologicamente homogêneos como Elliott Abrams, Anne Applebaum e Victoria Nuland, esta última servindo como secretária de Estado adjunta durante o golpe na Ucrânia. Até Henry Kissinger foi parte do “Board of Directors” do NED, isto por si só já explica bastante sobre o intuito da organização.

A ideia “original” do NED

A contribuição adicional para o NED criado em 1983 veio do espião William Casey, diretor da CIA de 1981 a 1987, que, após os escândalos de inteligência dos anos 70, era agora da opinião que certas operações secretas eram mais bem divididas utilizando o que os britânicos chamam de "quango", uma organização quase não-governamental e que hoje podemos reconhecer que é a característica de muitas NGO “Non Governamental Organization”. 

Outros que ajudaram a lançar as bases foram:

1.  A ideóloga neoconservadora Jeane Kirkpatrick, embaixadora de Reagan na ONU, famosa pelo seu argumento de  que "governos autoritários tradicionais" devem ser apoiados contra "autocracias revolucionárias" porque são "menos repressivos" e este argumento foi seguido pelo assessor da ONU Carl Gershman que se tornaria presidente da NED e serviu até 2021;

2.  Democratas de direitos humanos que acreditam que o trabalho dos Estados Unidos é impor padrões democráticos em todo o mundo, por mais idiossincráticos e interesseiros que possam ser;

3.  Pluralistas antiquados que defendiam que o poder de sucesso consistia no trabalho separado de diferentes grupos para um objetivo comum, neste caso, espalhar a democracia no exterior.

O resultado foi um pacote ideologicamente letal que assumia que tudo o que os americanos fizessem era democrático porque Deus está ao seu lado, que a antiquada caveira da CIA era ultrapassada e que tinha chegado o momento de mudar para meios mais ternurentos e camuflados. "Não deveríamos ter que fazer esse tipo de trabalho secretamente", explicou Gershman mais tarde. "Vimos no que resultou nos anos 60, e é por isso que [o “modus operandi”] foi descontinuado. Não tivemos a capacidade de fazer isso, e é por isso que a organização foi criada." Ou seja, Gershman indica como a CIA foi incapaz de fazer as coisas de forma mais subtil como seria pretendido.

O falso “Pluralismo” do NED

No interesse do pluralismo, a NED adotou uma estrutura quadripartida com alas separadas para a Câmara de Comércio dos EUA, A AFL-CIO, O Partido Republicano e os Democratas, cada um trabalhando separadamente, mas de alguma forma juntos.

O pluralismo ajudou a travar o debate e também a reforçar o apoio no Capitólio. Os Liberais Democratas estavam inicialmente céticos devido à inclinação neoconservadora do NED. O congressista de Michigan John Conyers Jr. tentou inclusivamente acabar com o NED em 1985.

Mas quando a Câmara votou inesperadamente para retirar o financiamento à agência, em 1993, os beneficiários saíram em sua defesa. George Will, David Broder e Abe Rosenthal "entraram em overdrive", de acordo com o The Nation, assim como os pesos-pesados da página editorial do Washington Post. O vice-presidente Walter Mondale, membro do conselho de administração da NED, trabalhou realizando vários telefonemas junto com Lane Kirkland, sucessor de George Meany como chefe da AFL-CIO. Ronald Reagan escreveu uma carta, enquanto os senadores Richard Lugar, Orrin Hatch e John McCain também se apresentaram. Assim como liberais proeminentes como Paul Wellstone, John Kerry, Tom Harkin, Ted Kennedy e Carol Moseley-Braun. Essas pessoas normalmente não suportavam estar em pé de igualdade umas com as outras, mas eram unânimes quando se tratava do direito divino da América de intervir nos assuntos de outras nações.

A força do NED

As forças anti-NED não tiveram qualquer hipótese. Vinte e três anos depois da sua fundação, a organização estava novamente sob ataque, embora desta vez pela direita. Em outubro de 2016, Gershman interrompeu a sua agenda pró-democracia para supostamnte afastar uma coluna no Washington Post que acusava a  Rússia de usar "hackers de e-mail, trolls de informação e financiamento aberto de partidos políticos para semear a discórdia" e de "até intervir nas eleições presidenciais dos EUA". Como não havia dúvida de que a Rússia estava a intervir, não havia dúvida do que o artigo representava: um golpe velado em um certo candidato de cabelos laranjas. Ficámos com sensação que o NED agindo com objetivo próprio poderia ser um dos principais interessados em prejudicar Trump. Hoje até sabemos que o FBI foi longe demais nas investigações sem provas contundentes e também sabemos que não existe efetivamente nenhuma prova de interferência russa.

Aparentemente sem esquecer o sucedido e tentando dar uma resposta, Trump vingou-se ao propor cortar o orçamento do NED em 60%. A resposta foi a mesma de 1993, só que pior. O senador Lindsey Graham declarou a sugestão do corte "morta à chegada", acrescentando: "Este orçamento destrói o soft power, coloca os nossos diplomatas em risco e não vai a lado nenhum". Gershman disse que isso significaria "enviar um sinal para longe de que os Estados Unidos estão a virar as costas para apoiar pessoas corajosas que partilham os mesmos valores", enquanto  o colunista do Washington Post Josh Rogin lamentou que o governo fosse culpado de um "ataque à promoção da democracia". A sempre volúvel congressista democrata Nita Lowey acusou o governo de "desmantelar uma agência que promove objetivos críticos".

Conclusão de John MacCain

"O trabalho que o nosso governo faz para promover os valores democráticos no estrangeiro está no centro de quem somos como país", acrescentou o senador John McCain, aquele John MacCain que fez comícios na Ucrânia antes de 2014. “A América é democracia, a democracia é a América e, como primeiro império global da história, os EUA têm o direito incondicional de fazer aos outros o que os outros não podem fazer aos EUA. Apenas um "candidato siberiano", "um traidor" ou "um fantoche russo" poderia discordar.”, enviando o seu recado direcionado a Donald Trump.

 Escrito por

Luís Filipe Ribeiro

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