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Português Cultural 018: Clarice Lispector e suas Citações

Dec 08, 2024

Aqui você encontra primeiro alguns textos interessantes que recomendo:

Livros Mencionados

Os livros mencionados no conteúdo são:

1. "Perto do Coração Selvagem" - Primeiro romance de Clarice Lispector.

2. "A Hora da Estrela" - Último livro publicado por Clarice Lispector.

3. "Laços de Família" - Coletânea de contos que inclui "Uma Galinha".

4. "Todas as Crônicas" - Coletânea das crônicas de Clarice Lispector.

Resumão:

  • O fenômeno de compartilhar citações profundas nas redes sociais se popularizou com o Facebook e Instagram, sem verificação da autoria.

  • Muitas citações são atribuídas a autores famosos sem confirmação, como é o caso de Clarice Lispector no Brasil.

  • Clarice Lispector, uma importante escritora e jornalista, nasceu na Ucrânia e veio para o Brasil ainda criança.

  • Cresceu no Nordeste do Brasil e, mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a estudar Direito.

  • Publicou seu primeiro romance, "Perto do Coração Selvagem", em 1943, e escreveu diversos romances e contos.

  • Sua escrita é comparada ao estilo de Virginia Woolf, com monólogos interiores e fluxos de pensamento complexos.

  • Abordava temas como a complexidade da condição humana, identidade, solidão e a condição feminina em suas obras.

  • "Laços de Família" e "A Hora da Estrela" são alguns de seus livros mais conhecidos, refletindo experiências femininas.

  • Clarice também escreveu crônicas jornalísticas, reunidas em coletâneas como "Todas as Crônicas".

  • Ela teve um pesadelo onde pessoas atribuíam falsamente citações a ela, algo que de fato ocorreu, tornando-a uma das autoras mais citadas incorretamente no Brasil.

Aqui está a transcrição não editada do episódio:

O que eu vou te contar começou a acontecer ali em meados da primeira década dos anos 2000, mas se popularizou principalmente quando o Facebook apareceu. Se você tiver tido o Facebook no passado, ou conhecer o Instagram também hoje, sabe que, além de fotografias, as pessoas também gostam de postar imagens bonitas e citações. Neste último campo de citações, as pessoas procuram aquelas que sejam mais profundas. Podem ser citações até mesmo de autores que elas talvez não conheçam pessoalmente, mas acharam a citação profunda e resolveram postar para as outras pessoas. Assim elas mostram para as outras pessoas que são inteligentes e que sim, são profundas e conhecem autores e citações interessantes.

Bom, mas o fato é que na ânsia Na vontade de postar essas citações, as pessoas acabam não olhando de onde vêm essas citações. Será que a pessoa a quem se atribui aquela citação é realmente a autora daquela citação? Porque eu poderia dizer para você, e você conhece alguns autores ou pessoas famosas, Como disse Weinstein, chocolate fica melhor se não tiver açúcar. Bom, o Einstein nunca falou sobre chocolate publicamente, pelo menos até onde eu sei. Se ele tiver escrito sobre isso, é apenas uma coincidência, eu não sei de nada, mas vê só como é fácil.

Eu digo que fulano disse isso, você escuta e não confere, ou seja, você não verifica, você não averígua e tchan, de repente aquela citação é atribuída àquele autor. Isso aconteceu aqui no Brasil com muitos autores importantes, mas uma autora em especial se destaca dentre todos os outros por vários motivos que a gente vai falar agora, que é a Clarice Lispector.

A Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista muito importante aqui no Brasil. Poucas pessoas conhecem, ou melhor dizendo, poucas pessoas lembram que ela foi jornalista também. Quando falam de Clarice Lispector, na maior parte do tempo, as pessoas se lembram dos seus romances profundos e de difícil compreensão, ou talvez de algum conto que ela tenha escrito. E eu vou já falar sobre isso. Mas o fato é que Clarice Lispector foi também jornalista e foi aí que ela começou a vida dela.

Mas antes da gente falar disso, vamos para o começo, porque é bom saber de onde a Clarice vem.

A Clarice, na verdade, vem da Ucrânia. Ela nasceu na Ucrânia com o nome de Tchaiapinkasovna Lispector. E veio para o Brasil muito bebezinha ainda, com dois anos. Ela nem sabia exatamente onde estava. A família dela veio para o Brasil porque eles estavam fugindo das perseguições aos judeus na Ucrânia.

Ou seja, a Clarice é de família judia. Aqui no Brasil, eles vieram para o Nordeste, especificamente pertinho daqui da Bahia, ali para Maceió, em Alagoas, e depois eles foram para Pernambuco, um pouco mais para cima. Inclusive, eu tenho muitos alunos que conhecem Pernambuco e que adoram. Eu acho que Porto de Galinhas fica por lá. É um local muito bonito para se conhecer.

Mas, voltando para a vida de Clarice, ela cresceu no Nordeste do Brasil e se mudou para o Rio de Janeiro em 1939. Na época, ela foi estudar Direito.

E anote aí, tá? Estudar direito não significa estudar correto, não necessariamente. Estudar direito significa que você foi estudar as leis, todas essas documentações, provavelmente para trabalhar como advogado ou advogada, ou juiz ou juíza. Claro que essas não são as únicas profissões, mas são as que mais se destacam, são as que mais a gente lembra. Clarice Lispector começou a estudar direito, mas ao mesmo tempo ela escrevia bastante.

E em 1943, ou seja, quatro anos mais tarde, ela publicou o primeiro livro dela, que era o Perto do Coração Selvagem. É um romance, e aqui eu tenho que fazer uma pequena pausa, porque um romance aqui no Brasil não é necessariamente uma história romântica. Não, não. Um romance é uma história geralmente de longa extensão, e é o que, em alguns outros idiomas latinos e também no inglês, se chama de novela. O romance não é uma história romântica, necessariamente.

A gente tem muitos romances de terror, e os escritores que escrevem romance são romancistas. E a Clarice era uma romancista, na época que ela escrevia, que ela estava viva, E ela escreveu vários romances também. Mas não foram só romances que a Clarice escreveu. Ela, na verdade, começou a escrever muito pequena. De acordo com algumas fontes, ainda com 10 anos, ela escreveu uma peça de teatro e ela também escrevia contos que ela enviava para os jornais locais, lá no Recife.

Além disso, ela passou a escrever muito mais depois que a mãe dela faleceu, em 1930, E quando se casou com um diplomata, em 1943, passou também a colaborar com diversos jornais. Ela teve dois filhos, morou em vários países e, gente, ela é muito, muito popular ainda hoje no Brasil. As obras da Clarice, ou seja, os trabalhos literários da Clarice, ficaram muito importantes, ou melhor, ficaram muito populares e foram muito importantes por vários motivos. O primeiro deles é que o estilo de escrita dela é muito próximo, para você ter uma referência, É muito próximo do estilo de escrita de Virginia Woolf. É um monólogo interior, um fluxo de pensamento.

Às vezes é bem difícil de compreender, confesso, especialmente se você não tiver um vocabulário bom. Mas é um livro acessível, ainda assim, e muito lírico, muito delicado. E ela partia de tópicos muito simples, como por exemplo um almoço de domingo, para começar a falar sobre coisas muito, muito profundas. Alguns dos temas mais comuns e recorrentes nos livros de Clarice Lispector são aqueles que lidam com a complexidade da condição humana. É uma maneira muito chique, muito elevada de falar que ela falava sobre identidade.

As personagens dela frequentemente têm crises existenciais. É como quando a gente está chegando aos 40, 50 anos e pergunta, gente, o que foi que eu fiz da minha vida? Onde é que eu estou? Quem sou eu? O que eu estou fazendo?

Inclusive, essa crise que geralmente dá entre os 40 e 50 anos das pessoas, tem um nome em português. É a crise da meia-idade. A Clarice também falava muito sobre solidão. Não só o isolamento emocional, a distância de outras pessoas, mas também a distância, o distanciamento, a alienação. E ela falava muito sobre a condição feminina, sobre a experiência das mulheres, a sensibilidade feminina, as pressões que as mulheres sofrem, as expectativas e os desafios que as mulheres têm em um mundo, especialmente na época da Clarice, mas ainda hoje é muito presente, em um mundo dominado pelos homens.

Em livros como Laços de Família e A Hora da Estrela, esse é um tema muito, muito importante. Inclusive, Laços de Família é o meu livro favorito dela, e não por acaso. É também o nome de uma novela brasileira muito popular, se eu não me engano, ou do final da década de 1990 ou do começo dos anos 2000. Não me lembro exatamente de quando, mas era uma novela muito interessante que eu como criança não podia assistir, mas eu assistia mesmo assim, porque aqui no Brasil a gente não tinha muito esse controle de o que a criança assistia na televisão não. Mas isso fica para outra hora.

Gente, eu não sou do interior do Brasil, mas eu sou quase, porque a cidade onde eu cresci era uma cidade com uma atmosfera interiorana, ou seja, uma atmosfera do interior. Além disso, muitos dos moradores de Maracanãú, os originais, vieram do interior do Ceará. Então, era realmente uma cidade que ficava perto da capital, mas tinha um aspecto do interior. E era comum a gente ter bichinhos em casa. Não bichinhos como insetos, mas esses a gente também tinha, e sim bichinhos como galinhas, porquinhos, bodes e outros animais também.

Quando eu lembro disso, minha casa parece um zoológico. Mas a gente tinha galinha, que era uma coisa muito especial. Primeiro porque meu pai gostava muito de galinha, ele criava as galinhas com muito cuidado, com muito amor. Mas também porque, quando tava precisando de comida, galinha bota ovo e também dá carne. Claro, ela bota ovo e continua viva.

Se a gente pega a carne da galinha, tem que matar. E era comum, especialmente pra um almoço de sábado ou domingo, domingo era mais especial, quando a gente tinha toda a família, aquele bando de primo que você nem lembra o nome, aquela gentalha toda. Claro que é porque eu tô falando de uma maneira Irônica, tá? Que não era o Gentalha, era o Minha Família. E Gentalha é uma maneira pejorativa de dizer pessoas, mas pessoas de baixo nível, sabe?

Pobres, nojentos, Gentalha! Que era como algumas pessoas se referiam às outras. E aí, chegava uma tia específica minha. Gosto muito dessa tia, até hoje ela ainda está entre nós, está vivinha da Silva, mas, na época, ela era uma mulher jovem, forte, tinha uns brações assim, e ela gostava muito de comer frango, especialmente galinha caipira, que era a galinha que é criada no campo ou criada solta, não é a galinha industrial. E aí, quando a minha tia chegava lá em casa, Ela chegava, escolhia uma galinha e quando dava assim dez e meia, onze horas da manhã, a minha tia pegava a galinha assim pelo pescoço e quebrava o pescoço da galinha.

Depois virava de cabeça para baixo para o sangue descer, o sangue descia num pote e depois ela ia depenar a galinha, tirar as penas da galinha para a gente comer. Eu estou descrevendo isso porque, primeiro, eu nunca conseguia comer galinha quando eu via ela sendo morta. Eu dizia, se eu não vejo, eu posso comer, mas se eu vi, aí não dá. Eu não tenho como comer uma vítima de um assassinato. Mas esse é um fato comum para muitas pessoas aqui no Brasil que cresceram no interior ou que têm família de interior e que criavam bichos em casa.

E esse é o tópico de um dos contos mais fantásticos e mais comuns da Clarice Lispector, que se chama Uma Galinha. Ele começa exatamente como muitos brasileiros conhecem. A primeira frase é a seguinte. Era uma galinha de domingo, ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma.

Desde sábado, encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava pra ninguém, ninguém olhava pra ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. E é muito legal porque, agora sou eu, professor Eli, falando com você, é muito legal esse conto porque parte de uma coisa muito banal, muito simples, que é uma galinha que vai ser morta para virar almoço de domingo, que de repente essa galinha se descobre livre.

Ah, eu até fico todo arrepiado. Isso significa que os pelos que estão nos meus braços, eles sobem. Eu fico arrepiado quando eu falo isso, porque é uma coisa tão simples e fácil de imaginar, mas é tão inusitado, é tão surpreendente que você fica, gente, eu nunca pensei numa galinha sob esse ponto de vista. E esse é o conto que eu recomendo vocês começarem para poder ler Clarice Lispector. Eu tenho agora uma lista de recomendações dos livros dela, os livros maiores, mas claro, você tem que ter um nível de português mais alto ou muita, muita paciência para ler os livros da Clarice Lispector.

Dos grandes romances da Clarice Lispector, os que eu recomendo para começar são Perto do Coração Selvagem, que é o romance de estreia, ou seja, é o primeiro romance que ela escreveu. E quando a gente diz que é alguma coisa de estreia, é o primeiro que alguém faz. Então, se você é um cantor ou uma cantora, você faz um show de estreia. É a primeira vez. Uma peça musical, Ela normalmente tem uma estreia na Broadway, por exemplo, nos Estados Unidos.

Aqui no Brasil, as novelas estreiam na televisão. A gente está usando como verbo, estrear. E eu estreei como professor em 2012 para 2013, foi quando eu comecei a dar aulas mesmo, que antes eu só estudava.

Mas, voltando, perto do Coração Selvagem, que é um romance de estreia da Clarice Lispector, que fala da história de Joana. Esse livro tem uma cronologia não linear, ou seja, é um fluxo de consciência, não é nada linear, tá? Mas a linguagem emocional desse livro é muito bonita, recomendo. Outro livro que é muito popular dela é A Hora da Estrela. É o último livro publicado pela Clarice Lispector antes dela morrer e fala da história de Macabea, uma jovem nordestina que se muda para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor.

É muito parecido com a vida da Clarice, que ela também era nordestina e acabou indo para o Rio de Janeiro. Esse filme, aliás, esse livro, A Hora da Estrela, virou um filme muito bonito, muito Ai, delicado. Eu recomendo muito o filme, se você quiser assistir, e é até uma boa introdução. Assiste primeiro o filme, depois lê o livro. Olha que ordem bonita.

E o terceiro livro que eu recomendo é Laços de Família. Laços de Família é uma coletânea, ou seja, é uma coleção uma coletânea de contos. Nesse livro está a galinha, mas a galinha, eu vou deixar um link para esse conto também na transcrição desse episódio, tá? Dê uma olhada lá porque você pode baixar. E o conto é curtinho, são duas páginas, três páginas, dá para ler rapidinho e você vai ver a força e a simplicidade da linguagem da Clarice Lispector.

E além desses três livros, recentemente eu li, na verdade porque a minha irmã recomendou, uma coletânea, ou seja, uma coleção das crônicas, ou seja, dos textos curtos jornalísticos da Clarice Lispector. Se chama Todas as Crônicas e é o livro completo. Tem na edição do Kindle, mas também tem a edição impressa. É um livrão, tá? Grandão.

E é uma linguagem mais cotidiana, porque ali é um texto jornalístico, então, além do bom estilo, claro, ela tinha que ser bastante acessível. Recomendo muitíssimo esse livro também, que se você não quiser começar com a ficção da Clarice Lispector, você vai ter, com certeza, reflexões muito profundas em uma linguagem bastante acessível nas crônicas da Clarice.

E agora sabe o que é mais engraçado? A Clarice Lispector teve um pesadelo e o pesadelo dela se tornou realidade. Esse foi o pesadelo. Ela disse, acordei com um pesadelo terrível. Sonhei que ia para fora do Brasil e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo meu nome.

Eu reclamava, dizia que não era eu e ninguém acreditava e riam de mim. Aí não aguentei e acordei. Essa citação é confirmada pelo biógrafo da autora Benjamin Moser, de acordo com Elaine Rodrigues, do blog E Redigindo. Inclusive recomendo os textos do blog, é um pouco simples a estrutura do blog, mas é um blog bem escrito por essa escritora. E basicamente fala que Clarice Lispector sim, teve um pesadelo de que se passavam por ela, escreviam como se fosse ela, diziam que ela tinha escrito e acabou que é verdade.

Ela continua sendo uma das autoras com mais citações falsamente atribuídas no Brasil. Como disse Einstein, é melhor ter cuidado com o que se escreve por aí.

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