Quando aqui vim trazia um título, uma palavra, o arranque para que as palavras começassem a falar. Às vezes é assim que a coisa abre. Que a vontade se expressa, e eu curiosa venho assistir para onde sou levada. Contudo, porém, esta imagem bem fresca, de hoje tornou-se apetecível para ilustrar um texto. E fui apanhada de surpresa com o título que ela me evoca. E eis que esse se torna o ponto de partida deste encontro. Tão bom ser apanhada de surpresa e ser desmontada no momento. A vida continuando a revelar-me que nada está sob controlo, ainda que se faça o rabisco do plano, a estrutura, o método. Que no momento a coisa sempre se dá como tem de ser, mesmo quando a plateia e a assistência sou eu.
Sei que assim é, mas nunca paro de me surpreender, com a elegância, com os símbolos, com as voltas, seja no mais banal e rotineiro das coisas, seja no mais complexo. Sempre serei surpresa dentro de mim por revelar. E eu adoro estreias e novidades. Talvez por isso continue profundamente interessada em manter e aprofundar esta relação comigo e quanto mais mergulho mais me fascino e apaixono.
A imagem capta um momento de pleno desfrute. A temperatura ideal dentro e fora de água em pleno mês de novembro. A delícia, o desfrute, a alegria imensa de mergulhar e poder sentir sensações. E não um mergulho igual a outro, ainda que sejam mergulhos. A tónica de uma nova energia nos céus faz-se sentir dentro, e algo vibrava com uma nova qualidade energética.
Foi ali conversar com o mar, batizar-me nas suas águas para um novo nascer. As águas sempre abençoam a vida, iniciam. E ela foi iniciada.
Deixava-se ir para que pudesse ser guiada e conduzida por este novo despertar. É que quem vem depois do mergulho não é a mesma que mergulhou... ainda que se sigam mais mergulhos. Sempre há mergulhos por dar. E se o fora é reflexo do que vai dentro.... ups! ela sempre mergulha. E adora mergulhar. E também disso tem de se lembrar, que gosta de mergulhar. É que por vezes quando vem a intensidade do mergulho ela retrai-se e quer fugir dele. Esquece-se que foi ela que o deu e o pediu. Ou melhor quer controlar a qualidade do mergulho, frená-lo, contê-lo e a única coisa que pode fazer é permitir-se ir com o mergulho e confiar que ele o vai levar a um melhor lugar. Ainda que não saiba qual é.
A fé no mergulho. Relaxar e desfrutar nele. Apreciar o tempo, o ritmo, a onda, até que seja o momento de vir à tona. Ir encontrando mais fragmentos, memórias de si e colando com amor, doçura e compaixão. Restaurando a mais bela obra de arte que a constituía de vida. E isso era trazê-la à vida com uma nova qualidade. Mesmo que isso significasse mais cicatrizes e marcas, estava a resgatar-se do naufrágio que a mente-corpo tinha gravado em si para sobreviver. Nunca é tarde para começar a viver.
Com um novo colo, um novo abrigo, uma nova aceitação por todo o percurso vivido. E mesmo que fora possa estar toda rasgada, depenteada e virada do avesso, sucumbido à fragilidade que é ser humana é tal passagem que nos permite atravessar novamente o canal escuro para um novo nascimento, sem saber o que raio nos esperar a seguir depois da travessia sangrenta de dor que nos fez gritar e chorar a todo o pulmão.
Em bebé foi-nos concedido o véu do esquecimento desse momento, mas o corpo sabe, tem o registo. E ao longo de várias passagens certamente faz-nos reviver esse momento (digo eu no mais alto da minha viagem imaginária) para que possamos passar para o nível seguinte do programa vida. Só que agora com consciência, com trabalho e investimento teu. E talvez estas passagens nos devolvam mais a isto de ser humano, com a noção de finitude, de que isto é uma passagem, que somos frágeis, imperfeitos e falíveis. E render-nos torna-nos humildes, faz cair a soberba, o orgulho deste ego que quer controlar e ter razão. Que nada podemos controlar a não ser como respondemos às circunstâncias do que acontece. Como nos recebemos quando tudo explode e nos sai das mãos. Como nos permitimos cair, afundar e receber o apoio que vem. Às vezes desistimos e está tudo bem. Às vezes lutamos e esbracejamos e está tudo bem. Às vezes temos pressas outras que passe devagar. Às vezes queremos esconder, outras mostrar. E está tudo bem.
Já tive pressa. E ainda me apanho às vezes com pressa. Hoje sei que posso abrandar, descansar e ir mais devagar. Que possa renascer de uma forma diferente daquela que nasci. Hoje posso conceder-me mais tempo. É no tempo e com o tempo que posso ter mais claridade, mais ângulos e perspetivas e ver melhor. Guiar-me melhor. Sigo aprendendo, sigo aprendiz.
Vou largando as fórmulas, os achismos, as exigências, as urgências. Vou encontrando novos confortos nos espaços vazios, confiando que vem o correto, o necessário a cada momento, a cada mergulho.
Certamente vou encontrando mais partes autênticas de mim e incluindo o que se mostra. Cuidando de cuidar e acolher.