Há alimento que nutre. E vai muito além do que aquele que mastigamos, digerimos e transformamos em energia que alimenta este grande sistema corpo. E tudo é alimento. E nem sempre é visível e palpável, se estivermos distraídos.
Este foi um momento bonito, que os olhos de uma menina sensível registou. Mesa cheia e e sem lugar dentro, fez-nos vir para fora de uma espécie de celeiro e sentar na palha fofa, desfrutando da brisa de final de tarde.
E assim partilhámos eu e Mara um delicioso jantar, conversas profundas. Perguntas que me fizeram refletir, que me emocionaram, que me levaram a lugares de dor ainda fresca e me fez sentir segura o suficiente para partilhá-las ali, com ela. E deixar sair. É tudo o que a dor também quer. Ser vista, acolhida, aceite tal como se mostra. Sem interpretações, julgamentos, resistências.
Corações abertos mostram-se, expõem-se a tudo que vai acontecendo. Agora estou cansada e tenho sentido tudo muito e também permitido descansar. E ainda que perceba que há cansaço também consigo desfrutar de tudo o que está a acontecer. E tudo é perfeito, sem o juízo de que poderia ser melhor se não estivesse cansada. Não o verbalizou, mas foi a serenidade que senti na partilha, na observação cuidada de tudo o que estava a ocorrer dentro e como ia atendendo as suas necessidades.
É que a gentileza que tens na relação contigo vai reverberar na forma como te relacionas com o outro. Só podes acolher no outro o que já em ti recebes. E que belos espelhos vamos refletindo uns nos outros.
E ser Visto é sentir-se aceite exatamente como é. Nenhuma vírgula para mudar, tudo é perfeito e pode ser Amado. O brilho da tua autenticidade e de tudo o que és é importante para o grupo onde estás. Experimentar isto na pele é extraordinário e manter acesa essa Recordação, para que se fixe no Presente do Aqui e Agora.
Podia ser simples e é assim de simples... não fossem as memórias, as identificações e impressões que levamos gravadas no inconsciente do nosso sistema e nos faz tantas vezes retrair, esconder, agradar e sermos "boas meninas".
E a criança que levamos dentro sempre se vai recordar algures que se não se comportasse bem, se não obedecesse iria ser castigado, apelidado de mau menino ou então as ditas frases "assim a mãe e o pai ficam tristes contigo, já não gostam de ti".... enfim tantas frases de qualidade semelhante que nos foram moldando e nos fizeram adaptar às normas vigentes do sistema a que pertencemos, família, escola, trabalho, sociedade. Adulterados ao encontro da Singularidade. Aquele que sempre esteve e está, às vezes um pouco escondida, nublada à espera que lhe puxemos brilho e a retiremos da caverna.
Gosto de uns bons "Que se foda!" para jogar tudo ao ar, para revirar do sítio e relembrar-me "quem manda em mim sou". Para limpar o olhar, sacudir a poeira e voltar ao centro de mim e aí silenciosamente escutar o que preciso, quais as minhas vontades.
E atrever-me. Atrever-me a caminhar sozinha no que aquece o coração, no que abre, no que expande e levar junto toda a fragilidade, medos, inseguranças. E de mão dada seguir comigo. Há sempre opiniões e de nada valem se não as pedes, se não te acrescentam e apoiam. Por isso segue.
Vai sempre haver alguém que te Vê, porque tu te começaste a Ver, Apoiar e a Dizer Sim ao tudo que és e a calar o ruído fora.
E sim vai haver tribo, comunidade que esteja em ressonância contigo, onde vais sentir casa. Há sempre Amor, estejamos nós recetivos para o receber. Temos de fazer a nossa parte, pormo-nos a caminho e confiar que haverá chão para o próximo passo. E largar as expetativas das construções ideais que fizemos da comunidade perfeita, da família que esperamos que se transforme um dia ou que nos veja e ame tal como somos... Deixar cair as ilusões e aceitar a realidade tal como é, a verdade do que faltou, do que doeu, do que sentimos são as portas de entrada para Acolher e Aceitar o ser singular que somos.
Talvez não sejamos perfeitos como idealizámos na nossa mente, e não correspondamos à narrativa que nos contámos que quando chegássemos a determinado ponto, seríamos. Talvez não nos tenhamos transformado no profissional de sucesso, na mãe super disponível e emocionalmente equilibrada, não tenhamos o companheiro presente e o amante romântico ou selvagem. Talvez não tenhamos a casa de sonho, o carro, não tenhamos feito as viagens pelo mundo. Não tenhamos ido às festas suficientes, tenhamos o grupo fantástico de amigas super unidas, talvez não tenhamos o peso ideal, a saúde perfeita. Talvez tudo tenha falhado... e talvez seja o início de um caminho que começas a ousar fazer exatamente porque não te resta saída.
Encontrares-te contigo e descobrir o que está para além disso tudo. Quando tudo falha, ao que te podes agarrar? O que sobra?
Quando quebramos vamos deixando brechas para a luz entrar. E nada parece ser desperdício. Numa caminhada na floresta vi tantas folhas caídas, árvores, galhos, folhas cheias de buracos e tudo me pareceu tão cheio de vida. O musgo a crescer nos troncos mortos, os brotos a saírem por troncos velhos, e a luz a entrar por entre os veios das folhas e dos buracos das folhas. E o que parecia escuro e sombrio visto de fora, é que a floresta sempre impõe, era um lugar tão fofinho, com sombra fresca, com espaço para a luz entrar. Ela sempre encontra o caminho. E tudo se regenera e recicla.
E nós somos natureza viva. Sempre encontraremos fertilizante no que em nós morre, sempre encontraremos alimento nas perdas, no que libertamos e deixamos ir, sempre encontraremos sombras para descansar, outros ramos para partilhar e crescer. Há sempre mãos para oferecer e para receber. E abraços e amor. Tantas vezes à espera que deixemos cair o orgulho para pedir. Preciso de Amor, podes dar-me um pouco do teu?
Assim se cresce em comunidade, possamos perceber que estamos sempre a tempo de a construir a partir da autenticidade e confiança no que és.
Sigo construindo-me, confiando, abrindo e desfrutando. Para que seja mais inteira em amor no todo que sou, curando e sanando as feridas e pondo amor.
Vou-me vendo cada vez melhor. E vejo-te também.