De que servem as cordas se não te seguras? E as pontes se não as atravessas?
E como te podes segurar se não foste segurada, se não te disseram como? Recordo-me de pequena ter uma ponte bem perto que só conseguia atravessar quando a maré estava cheia. Quando baixava tornava-se assustadora pela sua inclinação. Tinha o irmão que sempre desafiava a percorrê-la, que gozava comigo por não ser capaz. E entre lágrimas, encolhida lá ia encarando o medo e nos momentos de pavor congelava, pedindo socorro para que me tirassem dali. Os adultos diziam-me porque vais atrás dele? E assim me ia submetendo voluntariamente aos perigos, aos desconfortos, querendo seguir o irmão mais velho. Confiando também nele, que me protegesse e na verdade ele acabava sempre por fazer as suas travessuras e me deixar em situações de perigo. E depois do susto, voltava sempre a confiar e a cair, claro havia momentos também que ele ajudava, mas tudo era intermitente.
E estas são imagens, memórias gravadas que me foram acompanhando no caminho. A coragem em atravessar pontes difíceis, a encarar medos. A resvalar, a cair e por fim chegar o apoio vindo por obra e graça do espírito santo.
E se lá atrás não estiveram as cordas, os apoios emocionais que te seguraram, as mãos, os abraços, os colos e reinou o desamparo... nada nunca está perdido, porque as pontes e as cordas sempre surgirão para que te agarras, aprendas e cresças. E te tornes a melhor adulta para amparar a criança que dentro vivo.
E todos levamos dentro o desamparo do abraço que não chegou, da voz não ouvida, da necessidade não atendida, do consolo que faltou, da incompreensão sentida. Somos imperfeitos na condição, com feridas que vão passando de geração para geração. E se não aprendemos e curamos não podemos oferecer o que nos faltou, e repetimos até que dentro possamos nutrir e amar. Assumirmos a responsabilidade de finalmente cuidar e atender o todo que precisamos em vez de continuar à espera que nos cuidem e a exigir de fora o que não somos capazes de nos dar.
E o trabalho de amparar é diário, é encontrar as cordas dentro para nos segurarmos e atravessar as pontes do desapego, da mudança, de seguir para a outra margem e ser obediente ao que nos faz bem e felizes. É deixar cair as vozes de crenças aprendidas que não nos nutrem de todo, que carregam. É desafiar a norma, o socialmente correto e tudo o que não nos acrescenta. Ser singular é ser diferente e isso torna-nos únicos e incomparáveis. E assumir isso é amor e pede que te apoies e ampares constantemente, que assumas o risco.