É preciso coragem para visitar os lugares que ficaram entreabertos. Há momentos em que partir é a melhor decisão para a tua saúde. É escolheres-te acompanhar em vez de te abandonares. Há lugares em que ficamos por migalhas, presas pela infinita esperança que seja passageiro e se transforme na presença desejada.
E essa esperança vai corroendo-te e os pequenos gestos tornam-se gigantescos pois é preciso alimento para manter-se em lugares que fazem mal. Um ano depois revisitar o lugar de onde se partiu é remexer em memórias, ativar sentimentos que se enterraram pela força das circunstâncias. É despertar o adormecido e ver o que ficou.
Hoje quem observa é outra pessoa, marcada pelo tempo e circunstâncias da vida. E mesmo com medo deu o passo de ir mexer, sem saber o que podia dali vir.
As ligações profundas sempre permanecem na sua qualidade, mudam de lugar talvez. Veio a mágoa, recordou a sensação de abandono e perda. E também a reconciliação dentro de si. É o que é, e a vida sempre apresenta o que precisamos para lidar. O ressuscitar das feridas da criança perdida lá atrás, do colo que faltou, a ausência, o calor. E quando vem o mínimo de atenção como ganha dimensão e escala dentro. E vem a birra, a zanga do que faltou e que ainda há uma parte que se ressente e cobra.
Revisita-se e aproveita a boleia. Afinal nada é pessoal. E pode sentir isso tudo, emocionar-se e aceitar as circunstâncias. Nada por perceber e tudo para ir observando e acolhendo. Isso é levar-se em boa conta, quando se dá conta.
Ser colo para si e perceber o quanto gosta de palavras fofinhas, ternura e atenção. E gosta pode dar-se. Reconhecer a maestria do caminho ainda que ardiloso.
E que pode mudar as suas crenças. Agora que se faz mais presente em si pode estar mais presente com o seu masculino e vê-lo com mais proximidade, calor, ternura, cumplicidade e sensibilidade. Reconhecer a força, a sustentação, a direção e o conforto de sentir securizada, em casa.
E quanto a crença aprendida foi externalizar isso, como se fosse o homem, a família, amigos, o que fosse detentores do meu bem estar e segurança. Ainda que mentalmente possa saber que assim é, ainda há muitos ativadores e memórias gravadas no corpo e na mente que despoletam comportamentos automáticos.
Continuo a desmontar-me. A aproveitar as boleias que me devolvem ao desconforto, à fragilidade, aos lugares de desamparo e carência para me dar colo e me regressar mais aos meus lugares de amor. Reconhecendo, sentindo, abraçando.
Nada que possa vir de fora poderá acalmar os vazios que levamos dentro. Temporariamente poderá vir algum consolo, mas só o amor próprio, a atenção e cuidado poderá iluminar e curar o doído. Ampliar as vistas, resignificar, há sempre novos ângulos por onde olhar. Nada é bom, nada é mau, tudo são eventos e oportunidades para crescer.
E é pôr amor, subir a vibração para que possa ver-me melhor, com olhos lavados, claros e compassivos. E é preciso coragem para revisitar os lugares que deixámos entreabertos para encarar o que ficou solto e arrumar com mais amor e reconhecimento.
É preciso coragem para continuar a explorar e auto-descobrir-me. Renovar o entusiasmo e curiosidade. Estamos sempre a tempo de ter uma infância feliz e de fazer as pazes connosco.